17 de agosto de 2009

Tatear no escuro...e tropeçar no nada

Lentamente, vou compreendendo o absurdo da tarefa de que incumbi. Tenho a sensação de tentar ir a algum lugar, como se eu soubesse o que quero dizer, mas quanto mais longe vou, mais seguro me sinto de que o caminho rumo ao meu objetivo não existe. Tenho de inventar a estrada a cada passo e isso significa que nunca posso ter certeza de onde me encontro. Uma sensação de andar em círculos, de sempre voltar atrás pelo mesmo caminho, de partir em várias direções ao mesmo tempo. E mesmo que eu consiga fazer algum progresso, não estou nem um pouco convencido de que vá me levar aonde penso estar indo. Só porque vagamos sem rumo no deserto não significa que exista uma terra prometida (p. 40-1).

A invenção da solidão - Paul Auster

9 de agosto de 2009

Entre o palato e a língua encontra-se um coração.

Hoje senti o coração na boca. Há quem o sinta na mão, na garganta, pulsando ou apertado no peito. Em qualquer outro lugar do corpo, até fora do corpo. No entanto, hoje, o meu estava na boca.

Quando o coração chega à boca, talvez possa significar que ele já tenha enfrentado um longo percurso, uma maratona. No ironman de uma relação, o pathos dá a largada e lá vai o coração, sedento, adrenalina nas alturas. Não vou descrever o delicioso e fatigante percurso, que entre bons e maus momentos, este e a chegada nunca são os mesmos para cada um. Mas quando o coração chega, finalmente, à boca, que não quer dizer o ponto final, ele filtra as palavras e as que conseguem a liberdade saem entrecortadas, exaustas. Algumas atropelam outras, saem mudas, outras berradas. Enfrentaram tanto para chegar à luz, ou escuridão. Talvez por isso tanta dificuldade para sair, elas sentem que a liberdade pode não passar de uma fatídica prisão. Seria sepulcro? Aqui jaz uma palavra, a palavra. Resta o luto.

Eis que me ocorre uma lembrança de duas semanas atrás. Uma senhora de uns 75 anos segurou minha mão num ponto de ônibus e disse que acabara de ver do outro lado da rua seu primeiro namorado. Jamais saberei o que ela disse, se foi coração na boca ou ricocheteando pelo corpo, ela apenas falou. Será que foi a condicional de um sentimento? Não sei. Sua mão estava gelada, mas aquelas palavras, endereçadas a mim, uma estranha, me aqueceram com distinta ternura. E dias depois eu pensei: num inverno chuvoso, edredom de léxicos esquenta mesmo. A depender de quem fala, e da imaginação de quem ouve, a temperatura pode subir. Se subir demais, algo evapora e se perde? Divagações...

Bom, o coração abrigou-se na boca, e cada palavra que pede licença para sair experimenta a liberdade que pode representar a salvação de um pathos náufrago. Mesmo com a hipertrofia do coração na região bucal, um verbo goteja pelas frestas e insiste em conjugar-se na primeira pessoa do presente do indicativo, censurando três ávidos pretéritos. Verbo daqueles que lateja e passa o dia assim, ora a pulsar na cadência, ora no descompasso. Verbo que inspira samba e que a ele seguem reticências ...