17 de fevereiro de 2009

Recomeçar...


“Minhas malas coloquei no chão, eu voltei
Tudo estava igual como era antes, quase nada se modificou
Acho que só eu mesmo mudei, eu voltei
Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar”


(Roberto Carlos/Erasmo Carlos)

Bom, recomeçar. Momento faxina? Não, é muita pretensão (delírio?) limpar o porão que invariavelmente me constitui e me movimenta. Poeira aqui, traça ali, teia de aranha acolá, espirro, tropeço numa tralha entulhada e começo a remexê-la. Sou nostálgica, não nego (vide minha playlist repleta de músicas do século passado). O presente é momento para o passado, momento de rever fotos, filmes, reler cartas, e-mails, momento de resignificar, sorrir, chorar.

Há quem ache tudo isso perda de tempo, uma autoflagelação mental. De qualquer forma, prefiro a sujeira do meu porão a ser refém da mania de limpeza que aflige levas de nossos coetâneos. Limpeza, essa é a palavra de ordem, seja de espaços físicos, seja da psiquê.

Recuso-me a ser refém de uma felicidade tão asséptica que me faz pensar que a água sanitária da minha casa é feliz! Pelo lema No Angústia cada um faz o que pode para deixar a alma clean. Vale tudo para espanar qualquer partícula, por ínfima que seja, do pathos humano: evitar visitar seus porões, sótãos e afins; livrar-se rapidamente do que dói, sem nem ao menos questionar-se: por que dói?; fazer do antidepressivo da moda uma espécie de pastilha para mau hálito, e assim vai.

Entre tantas afinidades, compartilho com Jacy um sentimento de desconfiança da felicidade “comercializada” na farmácia da esquina. Cheguei a comentar que poderíamos lançar uma campanha em prol do pathos, do direito à tristeza, tipo: “Abaixo à mania de limpeza do pathos!”. (Idéia a ser desenvolvida no futuro)

Enfim, voltando ao recomeçar. A letra do Rei e do Tremendão foi a carapuça, me serviu direitinho. No entanto, tudo está diferente de como era antes, o Bico de Pathos ganhou um reforço de peso na nossa ardil caminhada pelo labiríntico trajeto dos excessos: monsieur Caselli, psicólogo, amigo, companheiro de estudos e digressões; e Jacy tece com leveza e graça (como exímia lady e ótima escritora que é) aquilo que transborda seu ser a cada dia de labuta, a cada ida ao cinema, supermercado, padaria ou boteco da esquina. É, definitivamente, tudo mudou. Eu também mudei e voltei de mãos dadas com um certo pathos. Então, vamos os três, tais qual o destemido Teseu a caminhar pelo labirinto de Creta direto ao encontro do Minotauro. Ah! E sem direito ao fio de Ariadne!

Um tanto anestesiada, um tanto eufórica cimento estas letras com paixão, para os íntimos pathos, que em definitivo não escolhe hora para inundar meu ser. Lá vou eu, continuar a div(ã)gar e escrever sobre a teimosia do que insiste, sobre o que me toca, o que me fere, entorpece, angustia. Lá vou eu, certa da incerteza do que virá antes do ponto final, se é que virá algo. E então, lá vou eu, ora a condenar este sinal de pontuação a suportar o peso de minhas palavras, ou a solidão do papel, ora a libertá-lo na vastidão do papel na companhia de mais dois pontos. Lá vou eu, advertida e não menos aflita. Sem espalhar migalhas de pão no caminho, nem amarrar fitas nas árvores, me perco quando creio me encontrar, me encontro quando creio estar perdida. Lá vou eu, com as palavras de Paul Auster: “Só porque vagamos sem rumo no deserto não significa que exista uma terra prometida” (A Invenção da Solidão, 1997, p. 41). Lá vou eu, dormir e sonhar.