21 de novembro de 2009

...ninguém a entende.

A maioria dos filmes que assisti me emocionou. Entre um leque de emoções é difícil lembrar de todos os filmes e a emoção ou sensação correspondente. Verbalização ajuda a trazer à consciência essas sensações, emoções, ideias. Escrevo isso porque estava tentando lembrar quais filmes me fizeram chorar. Pelo que lembro foram poucos, O escafandro e a borboleta, Ensinando a viver, Sobre meninos e lobos, A vida secreta das palavras, O pianista ... Porém hoje, com Uma prova de amor...emudeci (não vou fazer metáforas com gêiseres ou cachoeiras).

Nele, uma linda menina chamada Kate luta contra um câncer, sua família luta contra esse câncer. Sua irmã Anna é concebida para salvá-la, mas quem as salva do amor de sua mãe? Esses encontros com o real a que estamos sujeitos, barram as palavras, pois o real é o impossível de ser simbolizado. Estou escrevendo pra ver se consigo dar um trato no efeito colateral que o filme provocou.

Me pergunto agora: que força é essa chamada amor materno? Estaria esse amor, ao lado das sublimações e da angústia (que provoca deslocamentos subjetivos), movimentando o planeta terra? Costumam dizer que a culpa é da mãe. Seriam elas então as culpadas pelo aquecimento global? Será que peguei o expresso Hellmann's ligth? Ok, é provável que eu tenha pego esse expresso. Os filhos costumam carregar nas costas os sonhos frustrados de seus pais: "se eu não consegui, meu filho conseguirá por mim". E os filhos insistem, e como insistem! Quantos cientistas, presidentes, escritores, atores, esportistas, não pensaram: “olha mãe, consegui! Essa é pra você”, quando fizeram uma descoberta, um gol no final da copa, ganharam uma eleição, o Nobel, o Oscar, etc.? Desejo de mãe é importante na constituição subjetiva de uma criança, mas ele também pode ser avassalador, por isso a importância da figura paterna. No filme a figura paterna está tão presente e forte quanto a materna. Kate queria ir à praia, e seu pai a levou contra a vontade de sua mãe. Anna entrou com um processo contra seus pais e depois de uma discussão com a mãe, seu pai a tira de casa por uma noite para conversarem.

Kate é convidada por seu namorado para irem juntos a um baile no hospital. Ela está debilitada pela quimio, só quer ficar bonita por uma noite, a noite do baile. Na esperada noite, Kate desce a escada da casa entre flash’s (cena clássica) e olhares da família. Ela está linda! Seu pai está no canto, observando, provavelmente, admirando embasbacado sua filha. Eis que ela encontra o olhar de seu pai. Kate se aproxima e pergunta a ele se ela está bonita, ao que quase sem palavras ele pronuncia alguma coisa e assente com o olhar, algo como: “sim filha, você é uma bela mulher”. Esse olhar é importante pra toda menina, o ser vista pelo pai como uma mulher. Pensei isso porque depois desse olhar, na mesma noite Kate faz “algumas coisas” com o namorado. Ela desejou outro homem que não o pai, e mais, se sentiu desejada por seu namorado.

Poderia escrever algo sobre o amor entre os irmãos Kate, Anna e Jesse, mas qualquer coisa que eu escreva vai ser insuficiente, e porque não dizer desnecessário. Nesse terreno minhas palavras caíram por terra como uma ancora...assim como as lágrimas.


p.s.: jacy...te amo, simples assim, como a oi.

15 de novembro de 2009

Hello stranger

Queria escrever algo sobre Closer, de longe um dos meus filmes favoritos. Gosto desse filme porque o que se passa com um cara que trabalha num jornal, uma stripper, uma fotógrafa e um médico, não está longe de acontecer comigo ou qualquer um. Closer pra mim é como um meio-termo entre a crueza típica de um filme francês e a doçura, leveza (e tédio) de um “filme compota” norte-americano.

Então hoje recebi um link do youtube com o vídeo do Damien Rice da música The Blower's Daughter. Acabou que a música aflorou as lembranças do filme e o clipe me fez matutar um bocado. A primeira coisa é que não só bato a cabeça na parede da linguagem, mas também a bato no espelho. E, sinceramente, não sei qual machuca mais.

Relembrando a primeira cena do filme pensei em relacionamentos cujo estopim são olhares. Closer não economiza em olhares profundos, demorados. Se fosse um esporte os quatros personagens praticariam algo como, saltos ornamentais nos globos oculares do outro. Literalmente, não conseguem tirar os olhos um do outro. É bem verdade que não conseguem tirar os olhos de si.

Bom, vou direto à cena clássica: Dan e Alice na mesma direção, sentidos opostos, se miram e sorriem (e a música ajuda a manter o clima... “I can't take my eyes off you...”). Parece que cada um visualizou um oásis no meio de Londres e lá se refugiaram, na imagem ideal de si projetada no outro, perfeita e total. Poço de júbilo que se atiram sem muito pensar. Nessa miragem se visualiza tudo, passado, presente e futuro. Esses momentos têm um quê de mágicos e irresistíveis (tão cinematográficos ou à la novela das oito global). Alors, penso: será a tal antecipação que Lacan fala no estádio do espelho? Dan e Alice se olham, sorriem, e ali me fez pensar no júbilo da criança quando descobre que a imagem no espelho é dela. Passa da imaturação orgânica, da angústia do corpo despedaçado, para uma antecipação de sua unidade corporal (Lacan, 1949). Imagem una dada pelo Outro, a qual a criança “veste”.

“O homem é espelho para o homem” afirma Merleau-Ponty (1963). Alice e Dan parecem duas crianças, cada um frente a um espelho, que nada mais é o outro, e nele vislumbram suas imagens ideais. Isso fascina, prende a atenção, canaliza libido, mas no momento que essa imagem ideal desfalece, se apaga ou aparece uma fissura...bom, já disse o que acontece no post de outubro. Mas não só isso surge, segundo Motta e Rivera (2005), quando a imagem vacila o sujeito advém, pois o sujeito não se reduz à imagem. O sujeito figura-se na ausência, é o eu que se figura na imagem.

O humano não é só imagem – eu –, mas também é falta-a-ser – sujeito – e só o fato de falarmos denota isso. Quanto às faltas de cada um, não se tem muito pra onde correr, não tem máscara que as cubra. Pensando sobre imagem, faltas, sujeitos, eus, outro filme que associei foi Alfie: o sedutor (também com Jude Law). Quando Alfie conhece Nikki, a personagem de Sienna Miller – seu milagre de Natal –, a convida para morar com ele. Eles têm tanto em comum, ela é meiga, engraçada, original, emocionante, cheia de surpresas...até que “uh-oh iceberg à frente”.

Bom, depois de certo tempo de convivência com sua musa, associa Nikki a estátua de uma deusa grega, linda, traços bem definidos, forma feminina perfeita, mas ao olhá-la de perto, notou que a bela estátua tem suas imperfeições, fissuras, suas falhas. Essa visão estragou tudo pra ele. Ao que concluiu que Nikki é uma “bela escultura danificada, de um jeito que você só percebe quando chega bem perto”. Sujeitos são assim, faltosos, e, diante das imperfeições do outro, penso que talvez o difícil mesmo seja continuar perto.

Antes de me jogar nos braços de Morpheus, último pensamento sobre Closer. Entre encontros, desencontros e reencontros, os enlaçamentos humanos mais parecem de arame farpado, por mais acalentadores que sejam é difícil se manter e/ou sair sem uma cicatriz. A propósito, sem titubear cito Freud, porque se é para falar de sofrimento humano, bebo na fonte de seu texto O mal-estar na civilização. Em 1930[1929] Freud elenca três fontes de sofrimento do homem: uma advém do corpo, outra das forças da natureza e uma terceira das relações com seus semelhantes. E o autor ressalta a terceira, relação com outros humanos, como fonte de mal-estar que pode causar mais infortúnios aos sujeitos. Relata Freud:

“O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro”.

Aperta de um lado, afrouxa do outro, sangra de um lado, libera a circulação do outro. Definitivamente, prefiro fitas de seda, até porque, uma “mumificação” a dois pode ser interessante. ;)

. na vitrola: quelqu'un m'a dit – carla bruni .

Referências:

FREUD, S. O mal-estar na civilização. E. S. B. Vol. XXI. Tradução de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1987. p. 72-171. (Obra original publicada em 1930[1929]).

LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica. In: ______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 96-103. (Obra originalmente publicada em 1949).

MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne. Tradução de Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Abril Cultural, 1975, 168 p. (Obra originalmente publicada em 1963).

MOTTA, L. A.; RIVERA T. O fascínio do ver e a angústia do olhar: sobre o corpo e a subjetividade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. São Paulo, v. VIII, n. 4, p. 665-678, 2005.

7 de novembro de 2009

Uma carta de Freud a Marie Bonaparte

Grinzing, 13 de agosto de 1937.

Minha cara Marie:¹

Posso responder-lhe sem demora, pois tenho pouco a fazer. O “Moisés” II foi concluído anteontem, e as pequenas dores esquecemos melhor numa troca de idéias com amigos.

Para o escritor, a imortalidade significa que ele será amado por muitas pessoas desconhecidas. Mas eu sei que não chorarei sua morte. Pois você sobreviverá a mim por muitos anos e, espero, se consolará rapidamente, e me deixará seguir vivendo em sua memória amiga, a única espécie de imortalidade limitada que reconheço.

No momento em que nos perguntamos sobre o valor e o sentido da vida, estamos doentes, pois objetivamente tais coisas não existem. Ao fazê-lo, apenas admitimos possuir um quê de libido insatisfeita, a que algo mais deve ter acontecido, uma espécie de fermentação que conduz à tristeza e à depressão. Essa minha explicação não é grande coisa, certamente. Talvez porque eu mesmo seja muito pessimista. Anda em minha cabeça um advertisement que considero o mais ousado e bem-sucedido exemplo de propaganda americana:

Why live, if you can be buried for ten dollars?

(Por que viver, se você pode ser enterrado por dez dólares?)

Lün refugiou-se junto a mim, depois de um banho. Se a compreendo bem, manda que lhe agradeça a lembrança.

Topsy² já sabe que está sendo traduzida?

Escreva breve!

Afetuosamente,

Freud

___________________
1 Marie Bonaparte (1882-1962), princesa da Grécia, foi paciente, depois discípula e amiga de Freud. (N. O.)
2 Lün era uma cadela de Freud, da raça chow. Topsy, também uma cadela chow, pertencia a Marie Bonaparte; a última frase se refere ao trabalho que Marie Bonaparte escreveu sobre ela, que estava sendo traduzido por Freud e a filha Anna. (N. O.)