15 de novembro de 2009

Hello stranger

Queria escrever algo sobre Closer, de longe um dos meus filmes favoritos. Gosto desse filme porque o que se passa com um cara que trabalha num jornal, uma stripper, uma fotógrafa e um médico, não está longe de acontecer comigo ou qualquer um. Closer pra mim é como um meio-termo entre a crueza típica de um filme francês e a doçura, leveza (e tédio) de um “filme compota” norte-americano.

Então hoje recebi um link do youtube com o vídeo do Damien Rice da música The Blower's Daughter. Acabou que a música aflorou as lembranças do filme e o clipe me fez matutar um bocado. A primeira coisa é que não só bato a cabeça na parede da linguagem, mas também a bato no espelho. E, sinceramente, não sei qual machuca mais.

Relembrando a primeira cena do filme pensei em relacionamentos cujo estopim são olhares. Closer não economiza em olhares profundos, demorados. Se fosse um esporte os quatros personagens praticariam algo como, saltos ornamentais nos globos oculares do outro. Literalmente, não conseguem tirar os olhos um do outro. É bem verdade que não conseguem tirar os olhos de si.

Bom, vou direto à cena clássica: Dan e Alice na mesma direção, sentidos opostos, se miram e sorriem (e a música ajuda a manter o clima... “I can't take my eyes off you...”). Parece que cada um visualizou um oásis no meio de Londres e lá se refugiaram, na imagem ideal de si projetada no outro, perfeita e total. Poço de júbilo que se atiram sem muito pensar. Nessa miragem se visualiza tudo, passado, presente e futuro. Esses momentos têm um quê de mágicos e irresistíveis (tão cinematográficos ou à la novela das oito global). Alors, penso: será a tal antecipação que Lacan fala no estádio do espelho? Dan e Alice se olham, sorriem, e ali me fez pensar no júbilo da criança quando descobre que a imagem no espelho é dela. Passa da imaturação orgânica, da angústia do corpo despedaçado, para uma antecipação de sua unidade corporal (Lacan, 1949). Imagem una dada pelo Outro, a qual a criança “veste”.

“O homem é espelho para o homem” afirma Merleau-Ponty (1963). Alice e Dan parecem duas crianças, cada um frente a um espelho, que nada mais é o outro, e nele vislumbram suas imagens ideais. Isso fascina, prende a atenção, canaliza libido, mas no momento que essa imagem ideal desfalece, se apaga ou aparece uma fissura...bom, já disse o que acontece no post de outubro. Mas não só isso surge, segundo Motta e Rivera (2005), quando a imagem vacila o sujeito advém, pois o sujeito não se reduz à imagem. O sujeito figura-se na ausência, é o eu que se figura na imagem.

O humano não é só imagem – eu –, mas também é falta-a-ser – sujeito – e só o fato de falarmos denota isso. Quanto às faltas de cada um, não se tem muito pra onde correr, não tem máscara que as cubra. Pensando sobre imagem, faltas, sujeitos, eus, outro filme que associei foi Alfie: o sedutor (também com Jude Law). Quando Alfie conhece Nikki, a personagem de Sienna Miller – seu milagre de Natal –, a convida para morar com ele. Eles têm tanto em comum, ela é meiga, engraçada, original, emocionante, cheia de surpresas...até que “uh-oh iceberg à frente”.

Bom, depois de certo tempo de convivência com sua musa, associa Nikki a estátua de uma deusa grega, linda, traços bem definidos, forma feminina perfeita, mas ao olhá-la de perto, notou que a bela estátua tem suas imperfeições, fissuras, suas falhas. Essa visão estragou tudo pra ele. Ao que concluiu que Nikki é uma “bela escultura danificada, de um jeito que você só percebe quando chega bem perto”. Sujeitos são assim, faltosos, e, diante das imperfeições do outro, penso que talvez o difícil mesmo seja continuar perto.

Antes de me jogar nos braços de Morpheus, último pensamento sobre Closer. Entre encontros, desencontros e reencontros, os enlaçamentos humanos mais parecem de arame farpado, por mais acalentadores que sejam é difícil se manter e/ou sair sem uma cicatriz. A propósito, sem titubear cito Freud, porque se é para falar de sofrimento humano, bebo na fonte de seu texto O mal-estar na civilização. Em 1930[1929] Freud elenca três fontes de sofrimento do homem: uma advém do corpo, outra das forças da natureza e uma terceira das relações com seus semelhantes. E o autor ressalta a terceira, relação com outros humanos, como fonte de mal-estar que pode causar mais infortúnios aos sujeitos. Relata Freud:

“O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro”.

Aperta de um lado, afrouxa do outro, sangra de um lado, libera a circulação do outro. Definitivamente, prefiro fitas de seda, até porque, uma “mumificação” a dois pode ser interessante. ;)

. na vitrola: quelqu'un m'a dit – carla bruni .

Referências:

FREUD, S. O mal-estar na civilização. E. S. B. Vol. XXI. Tradução de James Strachey. Rio de Janeiro: Imago, 1987. p. 72-171. (Obra original publicada em 1930[1929]).

LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica. In: ______. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 96-103. (Obra originalmente publicada em 1949).

MERLEAU-PONTY, M. O olho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne. Tradução de Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Abril Cultural, 1975, 168 p. (Obra originalmente publicada em 1963).

MOTTA, L. A.; RIVERA T. O fascínio do ver e a angústia do olhar: sobre o corpo e a subjetividade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. São Paulo, v. VIII, n. 4, p. 665-678, 2005.

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