9 de agosto de 2009

Entre o palato e a língua encontra-se um coração.

Hoje senti o coração na boca. Há quem o sinta na mão, na garganta, pulsando ou apertado no peito. Em qualquer outro lugar do corpo, até fora do corpo. No entanto, hoje, o meu estava na boca.

Quando o coração chega à boca, talvez possa significar que ele já tenha enfrentado um longo percurso, uma maratona. No ironman de uma relação, o pathos dá a largada e lá vai o coração, sedento, adrenalina nas alturas. Não vou descrever o delicioso e fatigante percurso, que entre bons e maus momentos, este e a chegada nunca são os mesmos para cada um. Mas quando o coração chega, finalmente, à boca, que não quer dizer o ponto final, ele filtra as palavras e as que conseguem a liberdade saem entrecortadas, exaustas. Algumas atropelam outras, saem mudas, outras berradas. Enfrentaram tanto para chegar à luz, ou escuridão. Talvez por isso tanta dificuldade para sair, elas sentem que a liberdade pode não passar de uma fatídica prisão. Seria sepulcro? Aqui jaz uma palavra, a palavra. Resta o luto.

Eis que me ocorre uma lembrança de duas semanas atrás. Uma senhora de uns 75 anos segurou minha mão num ponto de ônibus e disse que acabara de ver do outro lado da rua seu primeiro namorado. Jamais saberei o que ela disse, se foi coração na boca ou ricocheteando pelo corpo, ela apenas falou. Será que foi a condicional de um sentimento? Não sei. Sua mão estava gelada, mas aquelas palavras, endereçadas a mim, uma estranha, me aqueceram com distinta ternura. E dias depois eu pensei: num inverno chuvoso, edredom de léxicos esquenta mesmo. A depender de quem fala, e da imaginação de quem ouve, a temperatura pode subir. Se subir demais, algo evapora e se perde? Divagações...

Bom, o coração abrigou-se na boca, e cada palavra que pede licença para sair experimenta a liberdade que pode representar a salvação de um pathos náufrago. Mesmo com a hipertrofia do coração na região bucal, um verbo goteja pelas frestas e insiste em conjugar-se na primeira pessoa do presente do indicativo, censurando três ávidos pretéritos. Verbo daqueles que lateja e passa o dia assim, ora a pulsar na cadência, ora no descompasso. Verbo que inspira samba e que a ele seguem reticências ...

5 comentários:

Lutch disse...

Sempre fico emocionada quando escuto alguma história da juventude de um velho. E essa, descrita por vc, tbm emocionou.

Lena disse...

Coração apertado de emoçao. Mt lindo!
=*

Cammy G. disse...

Que gracinha! Incrível como uma coisa passada há tantos anos ainda surtam efeito nas pessoas...

Unknown disse...

Adorei!! Emocionantee!! Quem imaginaria ouvir e sentir uma coisa dessa na vida?!

:)

Rafael Caselli disse...

Como disse a Cammy acima: essas coisas 'surtem' um monte de efeitos e ficam surtando a gente o resto da vida =)